O filme do consumidor no mundo digital

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Por:   _ Site O Consumerista_ Dia 19 de novembro de 2019

 

Take 1: um consumidor na Austrália entra no carro para ir trabalhar, tenta ligá-lo e nada acontece. Então, ele procura um mecânico para sanar o dano, mas não o encontra – afinal, por incrível que pareça, isso não é um problema dele. A culpa é da companhia de seguros, que simplesmente desativou a ignição do veículo por meio um dispositivo eletrônico instalado por eles no veículo. O motivo: o consumidor atrasou o pagamento do seguro e o consumidor consentiu com isso na hora de assinar o contrato.

Take 2: uma consumidora procura pela passagem aérea mais barata em um site de viagens. No fim, ela encontra uma por US$100. Conforme avança em sua compra no site, ela percebe que preço da passagem começa a subir. Primeiro porque os impostos foram acrescentados à compra. Segundo porque há uma crescente demanda naquele voo e os espaços na aeronave estão se esgotando. No fim, o preço sai por $ 400 sem muito mais explicação.

Take 3: Dois amigos decidem comprar sapatos por meio de um e-commerce. Lado a lado, cada um com seu notebook, eles entram no mesmo site de vendas e iniciam o processo de compra. Para um deles o preço final dos sapatos é de US$ 100, enquanto para o amigo o mesmo produto sai por US$ 200. Ou seja, mesmo site, mesmos sapatos e o mesmo local de entrega.

Os três exemplos não são meramente ficcionais e poderiam ocorrer no dia-a-dia do consumidor. Neste momento, pessoas em todo o mundo se beneficiam das possibilidades proporcionadas pela economia digital, o que nos permite mais variedade e melhores preços.

De fato, a economia digital está crescendo rapidamente em toda a América Latina e no mundo. Estima-se que as transações de e-commerce no continente latino americano alcancem US$ 70 bilhões até o fim do 2019, um crescimento de 21% em relação ao ano anterior. O futuro é realmente promissor, mas hoje ele ainda representa apenas pouco mais de 4% das vendas do total de venda B2C do varejo. E sem contar as transações realizadas nas plataformas de economia colaborativa, tais como sites de troca, ofertas de hospedagem ou serviços de transporte. Nesse caso, o crescimento também é alto e em menos de 10 ou 15 anos poderá chegar a 50% das transações globais.

Mas nem tudo o que reluz é ouro. Os benefícios também têm um lado que não é tão bonito: as informações nem sempre são verdadeiras ou completas, os contratos ainda têm cláusulas abusivas e pode haver uma discriminação direta ou ostensiva entre as pessoas.

Além disso, tem-se a crença que todas as pessoas comprem ou façam transações por meio dos seus telefones celulares inteligentes. Pior: muita gente acredita todos os consumidores estão conectados. Pois aqui vai uma informação: segundo o site We are Social, pouco mais da metade da população mundial tem acesso à Internet (58%). Além disso, 66% da população (ou 5,150 bilhões de pessoas) tem acesso a telefones celulares, muito embora o número de linhas seja muito maior: 9,3 bilhões, ultrapassando assim a população mundial em quase 1 bilhão – o que significa que existem muitos usuários que têm mais de uma linha. No entanto, apenas 42% das pessoas que possuem telefone celular possuem um smartphone.

Na América Latina, os números são semelhantes, embora, segundo a GSMA, a penetração de smartphones na população seja superior a 60% e o acesso à Internet beira os 70%. A boa notícia é que os latino americanos estão acima da média mundial – muito embora, claro, existem diferenças grandes de acesso entre países ainda sejam grandes.

Em outras palavras, esses dados mostram que nem todo mundo está conectado, muito menos que todo mundo usa o telefone celular para comprar ou navegar na Internet. Aliás, nem todo mundo está recebendo os benefícios dessa revolução tecnológica.

É necessário, então, pensar que uma das tarefas importantes a serem realizadas é garantir maior acesso à conectividade e ferramentas digitais para um número maior de pessoas. Isso trará mais progresso e inovação.

Também é necessário entender que os consumidores digitais não podem e não devem ter menos proteção do que os consumidores do mundo analógico. Não sou eu que estou dizendo isso. Isso aparece nas Diretrizes das Nações Unidas para a Proteção do Consumidor, o único texto global que estabelece princípios universais de proteção dos consumidores e seus direitos. Isso significa, por um lado, que não existem dois tipos de consumidores, mas apenas um, não importando se você compra na loja do bairro ou nos antípodas do seu país por meio do seu computador. Quando os consumidores sentirem que seus direitos estão protegidos, eles voltarão suas atenções massivamente para o mundo digital.

E é disso que se trata: CONFIANÇA. Devemos trabalhar para que os consumidores tenham confiança no mundo digital e na economia digital. Do contrário, os avanços serão adiados e os benefícios levarão mais tempo para alcançar mais pessoas.

Essa confiança é alcançada por meio da transparência, conformidade e, acima de tudo, um diálogo entre consumidores e empresas. É necessário mostrar que os consumidores estão em posição de se sentar à mesa de acordos com quem produz e comercializa e, assim, dizer o que esperamos deles, o que queremos dos seus produtos e até o que nos incomodam ou aquilo que não toleramos. E tudo isso feito olho no olho. Devemos concordar quando concordamos e discordar quando há uma visão ou opinião diferente, mas sempre com respeito e com a vocação de criar um mundo melhor para todos.

Em 1962, John F. Kennedy, então presidente dos EUA, enviou ao mundo um slogan que serve tanto para um mantra quanto para uma declaração de princípios: somos todos consumidores. Ele fez isso para chamar a atenção sobre a condição do consumidor, reforçando assim o que nos une e o que seria necessário para alcançarmos direitos cada vez melhores, para que nossas vozes, desarticuladas, possam se unir e ser ouvidas. Acho que é o momento em que temos mais oportunidades de fazê-lo, sem confrontos, mas com a firmeza de saber que temos uma mensagem que deve ser ouvida.

 

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